UM NOVO MODELO ECONÔMICO PARA O BRASIL - POR JOÃO SICSÚ, JOSÉ LUÍS OREIRO E LUIZ FERNANDO DE PAULA

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João Sicsú, José Luís Oreiro e Luiz Fernando de Paula *

O texto apresentado a seguir é um sumário das principais proposições contidas no livro Agenda Brasil: políticas econômicas para o crescimento com estabilidade de preços", publicado pela Editora Manole & Fundação Konrad Adenauer (2003, 390p.), tendo como autores João Sicsú, da UFRJ, José Luís Oreiro, da UFPR, e Luiz Fernando de Paula, da UERJ (organizadores), e mais: Carmem Feijó (UFF), Fernando Cardim de Carvalho (UFRJ), Fernando Ferrari-Filho (UFRGS), Guilherme Jonas (UFPR), Helder Ferreira de Mendonça (UFF), Jennifer Hermann (UFRJ), Marco Crocco (UFMG), Renaut Michel (UCAM), Rogério Sobreira (EBAPE/FGV) e Sidney de Castro Oliveira (UFRJ).

Agenda Brasil é um livro de diagnósticos e propostas para transformação da realidade econômica brasileira. Foi concebido por iniciativa do Grupo de Estudos sobre Moeda e Sistema Financeiro, de natureza interinstitucional (UFRJ, UERJ, UFPR, UFF, EBAPE/FGV, UFMG e UFRGS), sediado no Instituto de Economia da UFRJ. Propõe-se no livro uma alternativa de modelo de política econômica factível que, portanto, pode e deveria ser adotado no País. Não se propõe um modelo de ruptura - o que se propõe é uma transição processual e reformista.

Agenda Brasil tem como ponto de partida dois pressupostos fundamentais. O primeiro é que o modelo de política econômica adotado a partir de meados da década de 1990 pelo governo brasileiro não conseguiu eliminar os entraves ao crescimento sustentado da nossa
economia, que estão fundamentalmente no setor externo. Em outras palavras, o tripé de política econômica adotado a partir de 1999 – baseado na geração de superávits primários elevados (atualmente em 4,25% do PIB a.a.), metas de inflação e regime de câmbio flutuante – não tem garantido o crescimento sustentado.

De fato, a tendência da economia brasileiranos últimos anos tem sido de semi-estagnação, com crescimento médio de 2% a.a. no período 1996/2002. Em segundo lugar, a economia tem se caracterizado por ciclos da conhecida forma stop-and-go cujos ritmo e amplitude são determinados essencialmente pelos humores, vontades e expectativas dos mercados financeiros doméstico e, principalmente, internacional.

As linhas de um novo modelo

O Brasil é um caso relativamente singular dentre os países chamados emergentes, já que as políticas liberais-conservadoras sugeridas pelo Fundo Monetário Internacional eram e são adotadas voluntariamente pelos nossos governos – até recentemente pelo governo de Fernando Henrique Cardoso e, atualmente, pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Uma eventual reorientação da política econômica doméstica só seria possível com a liquidação dos compromissos financeiros assumidos com o Fundo. A principal proposição relativamente ao FMI é precisamente a não submissão às suas idéias, não renovando acordos, especialmente aqueles que não são necessários, e recuperando, desta forma, a autonomia de decisão domésticasobre políticas macroeconômicas e reformas institucionais.

Com relação à política antiinflacionária, defende-se que se evite utilizar a taxa de juros para controlar a inflação. A elevação da taxa de juros básica (a Selic) somente é capaz de reduzir a inflação se causar redução dos gastos de consumo e investimento, gerando desemprego, reduzindo a demanda e inibindo, em conseqüência, o empresariado a reajustar seus preços – já que o contexto se torna bastante desfavorável.

Utilizar a taxa de juros para combater a inflação é o mesmo que gerar desemprego para combater a inflação, o que não é aceitável dentro de um novo modelo econômico que visa o crescimento sustentável com eqüidade social. Assim, propõe-se elaborar um conjunto de instrumentos capaz de manter a estabilidade de preços. Por exemplo, proibir a indexação de quaisquer preços da economia, entre esses, tarifas de serviços públicos, aluguéis, salários, etc. Organizar câmaras setoriais para sincronizar aumentos salariais e/ou margens de lucro com aumentos de produtividade. Ademais, seria necessário substituir importações, estabelecer um novo regime cambial e controlar o movimento internacional de capitais financeiros para reduzira "importação de inflação", que contamina a economia doméstica seja pelo aumento do preço do dólar, seja pelo aumento do preço em dólar de produtos adquiridos no exterior.

No que se refere ao regime cambial, propõese substituir o regime atual de flutuação cambial pura e livre por um regime de minidesvalorizações programadas da taxa de câmbio (ou seja, crawling-peg ativo, com regras implícitas e flexíveis). A livre e plena flutuação da taxa de câmbio, num contexto de grande mobilidade de capitais, gera uma grande volatilidade da taxa de câmbio, a qual, de um lado, dificulta a gestão da política macroeconômica e, de outro, aumenta a incerteza entre os tomadores de decisão a respeito de valores futuros, tais como, custo de produção/comercialização e receitas de exportação. Essa incerteza adicional desestimula o investimento, reduzindo o crescimento
econômico.

Neste contexto, é necessária a adoção, por parte do Banco Central do Brasil, de um regime cambial que: (i) permita a manutenção da taxa real de câmbio num patamar consistente com a obtenção de grandes superávits na balança comercial, (ii) auxilie na redução da volatilidade da taxa de câmbio e (iii) auxilie na manutenção da estabilidade do nível de preços. Esse regime necessariamente deve ser apoiado por medidas de controles sobre o fluxo internacional de capitais e pela formação de um montante considerável de reservas por parte do Banco Central.

Redução da dívida

No âmbito de uma nova arquitetura de política econômica, em que se introduzem controles de capitais e uma política antiinflacionária não-monetária, e considerando o nível corrente relativamente alto da capacidade ociosa da industria brasileira, sustenta-se que é possível fazer uma redução firme e gradual na taxa básica de juros (Selic) para um patamar real de 6% (ou um pouco menos) ao ano – patamar necessário e compatível com um crescimento econômico da ordem de 5% ao ano. A taxa de juros é muito alta no Brasil porque o governo atribui a ela múltiplas funções: combate à inflação, equilíbrio do balanço de pagamentos e rolagem da dívida pública.

Defende-se uma estratégia de sustentabilidade da dívida pública e de política fiscal ativa, gerando-se, inicialmente, um superávit primário de 3% do PIB. A estabilização da dívida pública como proporção do PIB não depende apenas do superávit primário, mas, na realidade, da combinação entre superávit primário/ crescimento do produto/taxa real de juros.

Sendo assim, a dívida pública como proporção do PIB poderia ser reduzida, caso se adotasse um outro modelo econômico comprometido com o crescimento e defendido dos humores dos investidores financeiros, que adotasse uma taxa real de juros mais baixa e um menor superávit primário, portanto, um crescimento mais acelerado do PIB.

Nossas estimativas indicam que um superávit primário de 3% do PIB, em conjunto com uma taxa real de juros de 6% e um crescimento econômico de 5% ao ano, seria suficiente para reduzir a dívida para menos de 50% do PIB, até 2011, e para possibilitar a implementação de políticas fiscais ativas, com a realização de obras de infraestrutura e programas sociais abrangentes. Contudo, devese reconhecer que a meta de 3% do PIB para o superávit primário que foi sugerida para um período tão longo é bastante cautelosa, já que o superávit primário deve ser determinado por um conjunto de fatores que se alteram ao longo dos anos: capacidade ociosa existente, taxa de desemprego, etc.

Em outras palavras, esta meta poderia ser revista caso as condições fossem extremamente favoráveis, como um crescimento continuado do PIB superior a 5% ao ano ou, alternativamente, caso as condições fossem desfavoráveis, isto é, diante de uma taxa de desemprego muito elevada.

A introdução de controles na entrada e saída de capitais é uma medida fundamental para viabilizar um novo modelo econômico. Os objetivos fundamentais da proposta de política de controles de capitais para o Brasil são: (i) permitir maior autonomia da política monetária, fiscal e cambial; (ii) garantir o equilíbrio do saldo em transações correntes do balanço de pagamentos, ao impedir que a entrada de grandes fluxos de capital no país gere uma forte apreciação da taxa real de câmbio; (iii) reduzir a volatilidade da taxa de câmbio.

A mudança do regime cambial e a redução da taxa de juros para patamares compatíveis com o crescimento a um ritmo de 5% ao ano requerem a redução do grau de abertura da conta de capitais do balanço de pagamentos brasileiro. Isso pode ser obtido com medidas como a introdução de depósitos compulsórios não remunerados, por período de um ano, sobre os capitais externos que entram no país e pelo aumento considerável do IOF sobre todas as aplicações financeiras de não-residentes no Brasil, além de outras medidas complementares, como limitação da exposição dos bancos ao risco cambial e o estabelecimento de limites e regras para a movimentação de recursos da Conta CC5.

O papel do Estado: coordenação

A compatibilidade entre uma nova política macroeconômica com políticas setoriais (política industrial e tecnológica, política de investimentos em infraestrutura, etc.) é vital para viabilizar um crescimento econômico sustentável, de modo a superar tanto o estrangulamento externo quanto possíveis gargalos no processo de crescimento (ex: energia elétrica).

Para tanto, deve-se construir a confiança no desempenho futuro da economia através de políticas macroeconômicas e industriais apropriadas. A responsabilidade pela criação de um
ambiente seguro e positivo ao crescimento econômico depende do Estado, que deve desenvolver instrumentos e mecanismos de coordenação entre os agentes econômicos em torno de um projeto comum de desenvolvimento.

Neste contexto, deve-se estimular e criar condições para a retomada do investimento produtivo de forma sustentada. A retomada do investimento deve visar a redução da dependência de capitais externos e o aumento da produtividade, do salário real e do nível de emprego. Por exemplo, a política industrial deve ser discricionária, tendo como norteador a necessidade do país gerar superávits comerciais para diminuir a nossa vulnerabilidade externa. A política de emprego deve simultaneamente promover o aumento dos postos de trabalho, via aumento do investimento e do gasto público, e reduzir o grau de informalidade, através de políticas de apoio às pequenas e médias empresas, incluindo a agricultura familiar.

O livro Agenda Brasil contém ainda propostas em outros campos cruciais para a construção de um novo modelo econômico, tais como, a necessidade de instituição de mecanismos privados de financiamento de longo prazo na economia, o reordenamento dos instrumentos de financiamento para o desenvolvimento regional e a implantação de instrumentos que visam a melhora da distribuição da renda no País. 

* Economistas e professores da UFRJ (Sicsú), UFPR (Oreiro) e da UERJ (de Paula)

** O livro Agenda Brasil foi lançado no Rio de Janeiro no dia 17 de novembro (na livraria Letras & Expressões) e, posteriormente, em Campinas, Curitiba e Belo Horizonte.
Algumas fotos do lançamento do Rio, assim como a capa, o sumário e opiniões dos economistas Luiz Carlos Bresser-Pereira, João Sayad e Luiz Gonzaga Belluzzo sobre o livro, podem ser encontradas no site www.ie.ufrj.br/moeda