A FUSÃO: EQUÍVOCOS E MEMÓRIA - POR MAURO OSÓRIO*

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O território da cidade do Rio de Janeiro nasce unificado ao da Velha Província, ocorrendo a separação em 1834, quando da transformação da capital do Império em município neutro. A partir da Proclamação da República, o município neutro passa a Distrito Federal, forma de organização institucional que se mantém até 1960. Com a transferência da capital para Brasília, e conforme previsto nas Constituições de 1891, 1934 e 1946, é criado o Estado da
Guanabara.

A idéia da fusão entre a cidade e o estado do Rio de Janeiro apresenta-se de forma mais constante nos debates parlamentares e na mídia a partir do início da segunda metade dos anos 50, tendo em vista o processo de criação de Brasília que começa a ser articulado por Juscelino Kubitschek.

No final dos anos 50, a defesa da fusão passa a ser feita hegemonicamente pelo órgão representativo dos industriais da cidade do Rio de Janeiro. Esta preocupação surge apoiada na idéia de se construir um contraponto ao dinamismo apresentado pela indústria paulista, no período JK, e na suposição de que estaria ocorrendo uma importante migração de indústrias da cidade do Rio de Janeiro para o antigo estado do Rio, tendo em vista a dificuldade de espaços na cidade, uma "cabeça sem corpo".

Em 1974, em pleno regime militar, ocorre a fusão, tendo como um de seus argumentos centrais o diagnóstico da Federação das Indústrias do Estado da Guanabara e dentro de uma estratégia geopolítica de Golbery e Geisel, de descentralizar territorialmente o desenvolvimento econômico brasileiro.

A idéia da fusão, que hoje encontra na sociedade uma difusa visão negativa, apresenta, inicialmente, em 1979, um diagnóstico positivo no trabalho referencial de Ana Maria Brasileiro intitulado A fusão: análise de uma política pública. Entendo que a visão negativa atual sobre a fusão tenha correlação com o fato de, logo após a implantação da mesma, ter ocorrido a crise dos anos 80, que atinge sobremaneira a cidade do Rio de Janeiro, e mesmo o antigo estado do Rio, por terem atividades econômicas fundamentalmente voltadas para o mercado nacional e apresentarem grande dependência do gasto público federal.

Por outro lado, para analisarmos o desenvolvimento econômico-social pós-60, da cidade e da região da Velha Província, é necessário entendermos que o dinamismo desses dois territórios advém da história de "capitalidade" da cidade do Rio de Janeiro. Com a transferência da capital, torna-se necessária a formulação local de estratégias adequadas de desenvolvimento econômico, o que efetivamente não ocorre até os dias atuais.

Nos tempos da Guanabara

Nos anos de existência da Guanabara, apesar da importante modernização ocorrida nos governos Lacerda e Negrão – esses dois governos, bem como o de Chagas Freitas, apresentam equivocadas estratégias no que diz respeito à política regional de desenvolvimento econômico. O estado do Rio, por seu turno, enfrenta uma instabilidade institucional a partir da morte de Roberto da Silveira em 1961 – então governador desde 1959 – e do fato de os governos entre 1960 e 1974 apresentarem uma média de permanênciade apenas dois anos. Além disso, a região da Velha Província perde o seu fator centralgerador de crescimento econômico, pós-ciclo cafeeiro: os investimentos federais realizados através da criação, por exemplo, da CSN, Álcalis, FNM e REDUC.

Os equívocos nas estratégias de fomento econômico regional nos governos Lacerda, Negrão e Chagas Freitas resultam do fato de estes três governos terem assumido o precário diagnóstico realizado pela representação patronal da indústria da GB, de que o antigo ERJ viria crescendo nos anos 40 e 50 acima da média nacional pela existência de uma importante migração de indústrias para aquela região, em vista dafalta de terrenos na cidade do Rio de Janeiro, o que efetivamente não ocorre, fazendo com que esta política apresente em 1974 um rotundo fracasso.

Posteriormente, no governo Faria Lima, a preocupação centra-se, do ponto de vista econômico, no setor agrícola, apesar de o mesmo apresentar uma mínima participação no PIB da região fluminense. No mesmo sentido, os governos posteriores não apresentam uma correta e abrangente política de desenvolvimento regional, como a que ocorre, por exemplo, em Minas Gerais, a partir dos anos 40, com a criação de instituições como o BDMG, a Fundação Indi, Fundação João Pinheiro, o apoio ao fomento regional dado pela Cemig, a criação na UFMG de um centro de pesquisa econômica voltado para a questão regional – o Cedeplar – etc.

Clientelismo

Entendo que a ausência de estratégias regionais adequadas de desenvolvimento econômico-social na Guanabara e, posteriormente, no novo estado, deriva centralmente da história de "capitalidade" de seu núcleo central, o que faz com que os hábitos e atenções se voltem para a temática nacional, dedicando-se pouca reflexão à questão regional.

Isto pode ser visto, por exemplo, a partir da expressão de Arnaldo Niskier, existente no trabalho Rio Ano 2000, realizado em 1970, no qual afirma que o carioca descobre, ao final dos anos 60, que com relação ao conhecimento local "não passa de um turista apressado".

Não podemos deixar de considerar, contudo, que as cassações políticas ocorridas nos anos 60, que atingem sobremaneira a Guanabara pelo peso que nela têm o PTB e a UDN (legenda também atingida por cassações na cidade do Rio de Janeiro, dada a liderança de Carlos Lacerda, que rompe com o regime militar e cria a Frente Ampla) abrem espaço para uma importante hegemonia da política de clientela de Chagas Freitas – na cidade e posteriormente no estado.

Nesse sentido é curioso apontar a declaração da governadora Rosinha Garotinho, publicada no jornal Globo, de 10 de outubro de 2003, de que na região fluminense, após o chaguismo e o brizolismo, "por que não o garotismo?".Por último, é importante apontar a equivocada idéia de que nesta cidade e na Velha Província nunca teriam ocorrido maiorias políticas, pró-fusão, no correr do século XX. Com relação a isso podemos apontar que, em 1956, ocorre uma moção de apoio pró-fusão na Câmara de Vereadores do então DF, por ampla maioria dos líderes partidários, dentre os quais podemos destacar os do PTB, da UDN e do PSB.

Além disso, a Constituição do antigo Estado do Rio, de 1948, propõe que ocorra a fusão das duas regiões, quando da mudança da capital. Podemos, ainda, sublinhar que no mais significativo debate existente na mídia nos anos 50, sobre os rumos da cidade e estado do Rio de Janeiro a partir da mudança da capital, realizado pelo jornal Correio da Manhã, entre julho e agosto de 1958, observa-se uma visão hegemônica pró-fusão entre os políticos
e intelectuais consultados.

Perdendo a juventude

Dessa forma entendo que,mais do que transformar a fusão em uma "Geni", devemos realizar
uma reflexão sobre as razões que levam essa região a apresentar, no período pós 1960, críticas taxas de crescimento e emprego no quadro federativo brasileiro.

Entendo ainda que deveríamos sair da precariedade e primarismo das análises existentes, que levam, por exemplo, ao reforço da idéia de um Rio-perseguido – herança da época em que o Poder Federal intervém na vida política da cidade, não permitindo a existência de eleições diretas para a representação municipal, e buscar entender, ao contrário de perseguição, o fato de não conseguirmos obter recursos disponíveis na área federal, face o governo estadual não apresentar projetos, conforme repetidamente noticiado na mídia, não só relativamente ao atual governo como também a anteriores.

Analisar, não como perseguição,o fato de o estado do Rio de Janeiro apresentar hoje as mais elevadas taxas de homicídio, entre jovens de 18 a 24 anos, e ao mesmo tempo o poder judiciário da região vir diminuindo o número de varas criminais, devido a não organização e encaminhamento de processos pela polícia estadual.

Assim, a questão central para os habitantes da cidade e do estado do Rio de Janeiro não é um debate sobre fusão ou desfusão, realizando-se inclusive um eventual plebiscito sobre a questão; mas, sim, buscar um aprofundamento da análise dos fatos que levam a região a apresentar dramáticos indicadores econômico-sociais, no período pós-60, principalmente a
partir da década de 70, com a consolidação de Brasília.

Mais do que transformar a fusão em uma "Geni", devemos realizar uma reflexão sobre as razões que levam essa região a apresentar, no período pós 1960, críticas taxas de crescimento e emprego no quadro federativo brasileiro.

* Professor da UFRJ. Doutor em Planejamento Urbano e Regional pelo IPPUR/UFRJ.