A POLÍTICA DOS RESULTADOS PÍFIOS

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Reinaldo Gonçalves*


A atual política macroeconômica que em grande medida repete a política do governo anterior, envolve um sério erro estratégico, do ponto de vista da gestão macroeconômica. O que significa um erro estratégico? Significa que há metas e para se atingir essas metas há instrumentos e há condições. Temos objetivos, temos instrumentos e temos condições. No caso específico nosso, são dois objetivos claros: estabilização macroeconômica e desenvolvimento econômico.

Ou seja, a atual política macroeconômica envolve erros estratégicos, na medida em que não alcança os objetivos propostos - leia-se estabilização macro e desenvolvimento econômico, tendo em vista que os instrumentos são usados de forma equivocada e as condições estão dadas igualmente de forma descolada da realidade. Eu vou tentar mostrar essa hipótese. 
Dentro dos objetivos de estabilização macroeconômica, incluímos o tema do endividamento público, ou seja, o nosso foco deste congresso: política macroeconômica e endividamento público. O argumento é que a atual política macroeconômica envolve erros estratégicos na medida em que não alcança dois objetivos centrais da gestão macroeconômica, que é a estabilização macroeconômica e o desenvolvimento e, dentro da estabilização macroeconômica, o endividamento público é uma meta, alcançar um nível de endividamento público que deixe o país em uma situação confortável do ponto de vista macro. E qual é a idéia central? 
A idéia central é: qual o foco da política macroeconômica brasileira, hoje? Se nós olharmos a política monetária, vamos observar que ela está focada no combate à inflação. Ou seja, a inflação é um dos aspectos da estabilização macroeconômica. O governo, através do regime de metas de inflação, foca a política monetária no combate à inflação. Como resultado disso, ainda nos aspectos da estabilização macroeconômica, era de se esperar que a política monetária tivesse alguma convergência com um outro aspecto da estabilização macroeconômica, que são as finanças públicas. 
No caso particular brasileiro, o que a política monetária faz, como ela é focada em metas inflacionárias e como é focada no uso de um instrumento, isto é, tem uma meta de política monetária, que é o combate à inflação, e como na política monetária o instrumento preferencial é a política de juros, essa política monetária restritiva de juros altos acaba comprometendo a gestão das finanças públicas. Ou seja, a taxa de juros elevada é fator de desestabilização macro, na medida em que provoca um gasto com o pagamento de juros, que é extraordinariamente elevado. 
Esse ano (2005), estamos gastando mensalmente R$ 13 bilhões de pagamento de dívida pública, no Brasil. Ou seja, vai ser algo em torno de 8% do PIB brasileiro comprometido com o pagamento de juros da dívida pública. Resultado: a política monetária focada via juros no combate à inflação é relativamente eficaz no combate à inflação, mas é altamente ineficaz no que se refere a um outro aspecto da estabilização macroeconômica, que é a questão das finanças públicas. Ou seja, o principal fator de desequilíbrio histórico, leia-se o desandamento público da dívida interna, é a política monetária. 

Apreciação cambial

A segunda política macroeconômica é a política fiscal. A política fiscal brasileira está focada, via mecanismo de superávit primário, no controle das finanças públicas. Ou seja, essa via acaba não superando o desequilíbrio histórico porque o superávit primário não é suficiente para pagar todo o juro da dívida pública. Essa política fiscal, se por um lado  auxilia, com o superávit, a uma certa redução do desequilíbrio histórico, ela também ajuda no combate à inflação. Ou seja, a política fiscal é restritiva e nesse sentido ela converge para a redução do déficit nas finanças públicas, ou redução do desequilíbrio histórico, mas também ela converge no combate à inflação via contração da demanda agregada. 
Quando nós olhamos a terceira política, a política cambial, qual é o foco? O foco da política cambial hoje é o combate à inflação. Ou seja, há uma clara estratégia de nas condições de liquidez internacional altamente favoráveis deixar uma apreciação cambial muito significativa (em termos nominais, 35% desde janeiro de 2003), e essa apreciação cambial é usada como mecanismo de combate à inflação. O segundo objetivo da política cambial de forte apreciação é a redução do estoque da dívida pública. Ou seja, na dívida pública nós temos um componente interno, que é dolarizado, hoje em dia, indexado em divisa estrangeira; e temos o componente externo, que é denominado em divisa estrangeira. Então, tem o componente interno, com correção cambial, e o componente externo da dívida externa.
O que acontece com a apreciação cambial de 35%? Ela reduz o estoque da dívida denominado em dólar. O resultado é que a política cambial atende a dois interesses, isto é, tem atendido a dois suportes: combater a inflação e, ao mesmo tempo, reduzir o estoque da dívida pública. Se nós olharmos a dívida pública brasileira,  vamos observar o seguinte: o que aconteceu com ela? Em termos absolutos ela tem crescido; em termos relativos, se olharmos a dívida líquida total, no início do Governo Lula, ou seja, em 31 de dezembro de 2002, quando terminou o Governo Fernando Henrique, a dívida pública líquida total representava 56% do PIB, e esse ano (2005) ela deve terminar em 52% do PIB. 
Esses 4%, na realidade, em torno de 3% representam uma queda da dívida externa, por causa do câmbio, que de R$ 3,53 está hoje em torno de R$ 2,30. Se olharmos a dívida interna líquida, vamos observar que a dívida interna líquida cresceu de 41% para 47% do PIB, entre o início do Governo Lula e o final desse ano. Ou seja, a dívida interna líquida cresceu de 41% para 47% e, quando consideramos a dívida externa líquida, ela caiu de 14% para 5%. O resultado disso, o que nós temos? Temos que se não houvesse essa apreciação cambial, a dívida líquida pública interna e externa, hoje, estaria em um nível similar àquele do início do Governo Lula. Em outras palavras, não temos nenhuma correção histórica significativa, em termos relativos, porque em termos absolutos a dívida está varando aí R$ 1 trilhão. 
Então, o não crescimento significativo da dívida pública tem representado, na realidade, o resultado de uma apreciação cambial de 35%, em termos nominais, nos últimos dois anos e meio, um pouco mais. Se olharmos em termos de resultados, veremos que, do ponto de vista da estabilização macroeconômica, no que se refere à inflação há algum resultado satisfatório, mas do ponto de vista de outras variáveis da estabilização macroeconômica a gente não observa os mesmos resultados. 

Resultados pífios

Um exemplo é a questão das finanças públicas. Quando olhamos a questão de outros objetivos importantes da gestão macro, que têm a ver com o crescimento econômico, vamos constatar um desempenho medíocre da economia brasileira. Não precisa repetir os números, que são bastante conhecidos: o mundo crescendo a uma taxa média anual, nos últimos dois anos e meio, da ordem de 4,5%, e o Brasil crescendo 3%. Na realidade, fazendo uma projeção 2003 a 2006, para pegar os quatro anos desse governo, o Brasil estará crescendo 3%, em média; o mundo 4,5%; os países em desenvolvimento, 6,6%; e a América Latina, 4%. 
Ou seja, o Brasil vai crescer, mas vai andar para trás, vai ficar mais subdesenvolvido. Além do que, temos um fenômeno famoso, que é o vôo da galinha, que é o crescimento de 5% em um ano; depois você cai no ano seguinte; depois vai para 3%, depois você sobe para 3,5%, no fenômeno que foi muito bem analisado pelo professor Luiz Antonio Filgueiras, no livro sobre a história do Plano Real, em que ele chama a atenção para este fenômeno, que se repete com o Governo Lula.
Em termos de objetivo de estabilização macroeconômica, na questão de geração de empregos o resultado é pífio. O Brasil para reduzir o estoque de desempregados precisa de um crescimento, no mínimo, de 3,5%. Em quatro anos de Governo Lula, o crescimento médio anual de 3% vai implicar no aumento do estoque de desempregados que, no final de 2006, deverá ser da ordem de 1,2 milhão a 1,5 milhão de desempregados. Ou seja, o estoque de desempregados vai aumentar. 
Ainda no que se refere à estabilização macroeconômica, se nós olharmos a questão da acumulação de capital, o desempenho é pífio também. A economia brasileira está com uma taxa de investimento médio anual extremamente medíocre; na realidade é uma taxa associada a um crescimento igualmente medíocre da acumulação de capital, acompanhando o crescimento medíocre da renda. O progresso técnico, a mesma coisa, uma volatilidade muito alta da economia brasileira e não há nenhuma evidência que o sistema nacional de inovações tenha se tornado mais robusto ou venha se tornar mais robusto nesse período que estamos vivendo. Pelo contrário, a evidência é que o Brasil está perdendo posição em termos internacionais. Do ponto de vista distributivo, igualmente uma variante importante do ponto de vista da gestão macroeconômica, os resultados se mostram claramente negativos. Não há nenhuma evidência que o Brasil esteja melhorando. Finalmente, na questão do desenvolvimento econômico, de um modo geral o que a gente observa é que o Brasil anda para trás. 
Enfim, a política monetária tem obtido resultados favoráveis no nível de inflação, mas nocivos em termos de finanças públicas. A política fiscal tem, via superávit primário, efeitos positivos nas finanças públicas; a política fiscal restritiva tem sido, via demanda agregada, um efeito positivo na inflação e a política cambial, focada no combate à inflação e no combate ao desequilíbrio de finanças públicas, também tem obtido algum resultado. 

Política monetária destrutiva

Agora, quais são as implicações desse tipo de resultado? É que claramente eles comprometem a questão da estabilização macroeconômica. O que é a estabilização macroeconômica, falando do plano interno e do plano externo? O que temos observado no plano interno, na questão das finanças públicas, os dados mostram claramente que com esse nível de desequilíbrio que nós estamos o resultado não tem sido satisfatório. A despeito de um superávit primário extraordinariamente significativo, a política monetária destrói, corrompe os resultados desse tipo de ajuste de desequilíbrio histórico na economia brasileira.
O outro resultado que a gente tem observado é a questão do risco país. A redução do risco país, no Brasil, é muito mais efeito exógeno do que endógeno. Em outras palavras, a curva de risco Brasil acompanha a curva de risco internacional e esse risco tem sido determinado, em grande medida, por questões de liquidez internacional e não por uma questão doméstica. Na realidade, esses indicadores das finanças públicas mostram que não há nenhuma variação importante nesse tipo de desequilíbrio histórico.
No que se refere à questão da inflação, a gente observa, pelo lado particular da oferta, que é o grande problema da inflação brasileira, não tem havido nenhuma alteração importante, nem no que se refere à questão da indexação de contratos, nem no que se refere à questão de deslocamento da oferta agregada. Em outras palavras, nós continuamos com fortes gargalos na economia, continuamos com preços administrados, com estruturas e práticas comerciais restritivas e nada foi feito nesse sentido. A acumulação de capital também é limitada.
Enfim, o que eu quero dizer é que essa política macroeconômica tanto a política monetária, quanto a política fiscal, como a política cambial, com foco na questão da inflação, têm gerado não uma estabilização macroeconômica, no sentido mais técnico da palavra. Não é estabilização macroeconômica com ônus de estabilidade monetária, e, sim, estabilização macroeconômica entendida como algum tipo de controle da inflação junto com um desempenho de finanças públicas favorável; junto com acumulação de capital igualmente favorável, junto com crescimento que reduz o número de desempregados, com crescimento de produtividade e com uma taxa de crescimento econômico que seja considerada uma taxa confortável da economia, o que não tem acontecido. 
Do ponto de vista do desenvolvimento, envolvendo a questão do desenvolvimento das instituições e no combate à exclusão social e a questão da distribuição, essa política monetária e essa política fiscal, em particular, são restritivas e trabalham no sentido contrário à distribuição de renda. 
Em síntese, o que a gente tem é uma política fiscal que tem um déficit, e, ao mesmo tempo, é uma política fiscal restritiva na medida em que está violentamente contra a sociedade, os trabalhadores e transfere renda para os rentistas. É o pior dos mundos, é uma política fiscal restritiva que não resolve os problemas do desequilíbrio histórico das finanças públicas, ao mesmo tempo que agrava a distribuição da renda e trava o processo de crescimento sustentável da produtividade e compromete a distribuição de renda e, portanto, dificulta totalmente uma trajetória minimamente sustentável do desenvolvimento. Ou seja, nem a estabilização macro, nem o desenvolvimento econômico, com geração de emprego e distribuição da renda. 

* Professor de economia da UFRJ.