LANÇAMENTO DO CENTRO DE ESTUDOS PARA O DESENVOLVIMENTO

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Os desafios de como crescer
            
O Corecon-RJ lançou, em março, o Centro de Estudos para o Desenvolvimento, uma incubadora de idéias, projetos, debates e proposições para servir como instrumento de busca de respostas para o desafio de promover, no país, discussões e decisões sobre os caminhos para um desenvolvimento de longo prazo para o Brasil. Caminhos que proporcionem esse desenvolvimento amplo e generalizado, da economia à cultura, e capaz de promover melhoria nas condições de vida da população. 
Ao lançamento na Sala de Sessões do Centro Cultural da Justiça Federal estiveram presentes os professores Hélio Jaguaribe e Carlos Lessa, e o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, Secretário-Executivo do Itamaraty. Eles foram homenageados pelas suas contribuições ao país, tanto na produção de conhecimentos quanto na defesa e execução de medidas e de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento brasileiro, sob essa perspectiva do longo prazo, isto é, do enfrentamento das grandes questões estruturais que travam, em nosso país, o avanço, o alargamento e o aprofundamento da democracia, do crescimento econômico, da promoção dos direitos de cidadania, respeitando as etnias e as diversidades culturais que compõem e representam o Brasil.
Publicamos, a seguir, uma edição resumida das palestras apresentadas por cada um dos homenageados, bem como do anfitrião da noite de lançamento do CED e também professor, João Paulo de Almeida Magalhães, presidente do Corecon-RJ.



A estagnação é um escândalo

Hélio Jaguaribe, sociólogo

DESEJO EM PRIMEIRO lugar agradecer e parabenizar as entidades de economistas, sobretudo, pela iniciativa de criar um Centro de Desenvolvimento. Nada é mais urgente, imperativo e absolutamente necessário, neste momento, no Brasil, do que retomar a idéia de desenvolvimento. É escandaloso pensar que este país está estagnado há 25 anos. Passaram pela presidência da República pessoas de excelente qualidade, como Fernando Henrique Cardoso, e ficamos estagnados; agora, um homem brilhante, como o Presidente Lula, e continuamos estagnados. 
A situação brasileira é extremamente preocupante. A história, entre muitas outras coisas, é uma seqüência de prazos que se abrem e se fecham. Alguns países conseguem utilizar estes prazos e outros os perdem. Abriu-se com o Renascimento e com o primeiro impulso de modernização um prazo histórico, com a Revolução Mercantil. A Europa ocidental soube utilizar este prazo e os orientais não souberam. Abriu-se um segundo prazo, com a Revolução Industrial, e mais uma vez a Europa ocidental e depois o EUA souberam utilizar o prazo e, novamente, os orientais e, agora, a América Latina, perderam o prazo. 
Neste momento, o Brasil está perdendo prazo de poder se nivelar nesse processo de ressurgimento de países como China, Índia, Coréia, que estão tendo taxas de crescimento extremamente elevadas, embora apresentando diferenças profundas em relação ao nosso país. O que importa, entretanto, é que eles estão tendo taxas de desenvolvimento de 6%, 10%, e nós, pifiamente, entre 2% e 3%. O Brasil não pode perder o próximo quadriênio, mantendo essa política neoliberal, monetarista e estagnadora, onde, em nome de um aparente equilíbrio macroeconômico, se incrementam o endividamento e se estagna o país, impedindo que as grandes massas tenham acesso a níveis superiores de vida e de participação social. 
Temos 50 milhões de brasileiros marginalizados em nosso país. Temos que fazer um processo de aceleração do desenvolvimento e ao mesmo tempo incorporação ativa das grandes massas a níveis superiores de cidadania e de participação. Esta é uma urgência absoluta e, nesse sentido, fico muito feliz em ver aqui, nesta cidade, e em alguns outros centros brasileiros, esta oportuníssima iniciativa do Centro de Estudos para o Desenvolvimento. Está se criando uma agência para se pensar.

Um grande Haiti

O que significa retomar o crescimento e o desenvolvimento econômico e social? No fundo duas coisas: por um lado, a formulação em bom nível teórico de um pensamento alternativo, do pensamento não liberal. Neste sentido, o livro do professor João Paulo de Almeida Magalhães é uma formulação teórica competente, séria, absolutamente viável e tecnicamente correta de mostrar como é possível um desenvolvimentismo que não seja uma coisa populista e alucinada. É o desenvolvimentismo tecnicamente viável e politicamente exeqüível. Isto é o que um Centro de Estudos como esse precisa fazer. 
De outro lado, é necessário que se induza a classe política, os partidos e, naturalmente, os titulares do poder Executivo de cada período histórico, para que não eles faltem ao processo de desenvolvimento. Não podemos aceitar a idéia de continuar com essas pífias taxas de 2%, 3%. Temos que, aceleradamente, alcançar taxas de crescimento não inferiores a 6% e, também, temos que reorientar o nosso crescimento econômico, no sentido que, ademais as coisas óbvias ligadas à infraestrutura, indústria de base etc, ele tenha um forte poder incorporador dos marginais brasileiros. O Brasil não pode ser um pequeno centro de classe média, cercado por um oceano de marginalidade. É muito simples: ou incorporamos a marginalidade brasileira ou, dentro de um prazo não demasiadamente grande, o Brasil vai se tornar um grande Haiti. 


As novas formas de persuasão e hegemonia

Samuel Pinheiro Guimarães, Secretário-Executivo do Itamaraty

UMA COISA QUE PARECE óbvia é que o processo de desenvolvimento econômico é um processo de integração da economia, de integração da força de trabalho, como disse o professor Hélio Jaguaribe, um sistema moderno e produtivo. É um processo de integração da estrutura industrial do país, da estrutura científica, e de superação das lacunas que hoje existem. Nesse processo, entendo que há uma indispensabilidade da ação do Estado, pois sem a ação do Estado o processo de desenvolvimento, levando em conta o sistema econômico internacional, a existência das gigantescas empresas multinacionais, esse processo, então, tende a não se realizar, a ser excludente e a fragmentar a economia e a sociedade. Daí a indispensabilidade da ação do Estado para promover o desenvolvimento. 
O Brasil que sonhamos e para o qual o professor João Paulo de Almeida Magalhães acaba de apresentar uma nova estratégia, este Brasil não se encontra sozinho. Ou seja, não podemos traçar uma estratégia de desenvolvimento, isolados do mundo, mundo esse que se caracteriza, em primeiro lugar, e acima de tudo, por um progresso científico e tecnológico muito acelerado. Não é um progresso comum porque ele não apenas se realiza, mas se realiza a passos cada vez mais rápidos. A leitura superficial dos jornais nos mostra isso. Esse processo tecnológico altera os modos de produzir e de guerrear. Altera a força dentro do sistema. 
O sistema econômico internacional não é um sistema, portanto, não parcial. Ele é um processo de luta pela distribuição do produto mundial; os países lutam para se apropriar de uma parcela maior do produto mundial e usam para isso de vários instrumentos. Nesse processo o que se verifica é uma extraordinária concentração de poder. Esse próprio progresso científico e tecnológico se realiza no centro do sistema e leva a uma concentração de poder militar, ideológico, econômico, tecnológico, de forma extraordinária. Esse centro do sistema é basicamente a Europa ocidental, os EUA e o Japão, os países que no passado souberam aproveitar as janelas de oportunidades que se abriram para eles, e mais alguns outros. Nesses países, a riqueza se acumula de forma extraordinária. 
A distância entre a renda per capita do Brasil e a dos EUA, em 1950, era muito menor do que é hoje. Nós não estamos em um processo de desenvolvimento, estamos em um processo de subdesenvolvimento relativo, naturalmente, porque o desenvolvimento é sempre um fenômeno relativo, ele não é isolado. E vou citar alguns dados para vocês terem uma idéia. Das cerca de 90 mil patentes que são registradas anualmente no mundo, 45 mil são registradas por empresas americanas. Patente significa modos de produzir mais barato, portanto, maior competitividade dessas empresas em relação às demais. Se verificarmos em termos de poder, por trás desse poder tecnológico há um poder científico extraordinário que é o poder militar.
Os EUA têm um poder militar equivalente às nove maiores potências militares somadas, em termos de gastos e não como uma medida que permita equalizar. Mas se compararmos em termos de arsenal nuclear, o gasto é igual à soma dos maiores, o que significa inclusive um impulso tecnológico extraordinário, e uma grande parte deste gasto é investido em pesquisa científica e tecnológica. Todo programa espacial, nuclear, todo programa dos mais diferentes setores, há um investimento enorme através das forças armadas.

A contenção da periferia

A questão é que, no centro desse sistema, essa população é relativamente estagnada. A população cresce muito pouco na Alemanha, Itália e França; cresce um pouco mais pelas imigrações, que geram um outro tipo de problema. Nos EUA, ela também cresce por causa das imigrações. Isso significa que o grande objetivo dessas sociedades é manter esses níveis de bem-estar, manter esse nível de concentração de poder e não distribuí-lo.
Claro que temos, digamos, programas retóricos, de assistência aqui, um projetinho de educação, outro de cultura ali, através de organismos internacionais ou de programas bilaterais de cooperação técnica, mas a idéia é manter os níveis de vida em uma periferia que cada vez é maior, mais numerosa, conflituosa, inclusive por causa da ação do centro. Não é porque ela seja conflituosa em si, mas esse conflito decorre das políticas que muitas vezes são impostas à periferia do sistema. Essa contenção da periferia é uma visão que acho importante, uma visão ideológica nova do centro do sistema.
Essa visão passa pela idéia da possibilidade de impor modelos políticos. Há determinados países que dizem que "este modelo político é o bom para você", de modo que, ao mesmo tempo, este modelo econômico, qualquer que ele seja, é apresentado para a periferia como o que é bom para ela. E é um processo de imposição de modelos, naturalmente, em um contexto em que as grandes empresas multinacionais, que operam em todos os países, se beneficiam. Não há, por sua vez, uma enorme violência de arbítrio. Pode-se ler nos jornais que países são invadidos sob pretextos que, depois, se verifica que esses pretextos não existiam e os países invadidos são destruídos. São exemplos para aqueles que desafiam o centro do sistema internacional. Agora, há outros candidatos na fila, como Irã, Venezuela..., países que não estão na Europa.
Mas como eu fomento isso? Isso não é feito pela força e, sim, por um enorme esforço de normatização internacional, e essa normatização se realiza na esfera militar, ambiental, tecnológica e também na esfera econômica, que é do nosso interesse. Como? Através do estabelecimento de normas internacionais que esses países venham a aceitar; e elas têm como seu principal objetivo dificultar a ação dos Estados nacionais, na proteção das suas economias. Elas têm certos objetivos e se negociam determinadas normas internacionais para que o ambiente, digamos, econômico, internacional, permita a melhor atuação das empresas do centro do sistema. Tornar inviável aquela idéia da indispensabilidade do Estado e impedir que o Estado exerça a sua função.
Essas negociações se realizam nos mais diferentes fóruns, desde a Organização Mundial do Comércio, como nas negociações hemisféricas do tipo da Alca ou bilaterais, do tipo do Tratado do Livre Comércio. E todas elas têm como objetivo liberalizar, abrir os mercados de bens de capital para a ação não da pequena empresa local, obviamente, mas das empresas multinacionais que pertencem aos países do centro do sistema. A novidade dessas negociações é que antigamente elas não se referiam às políticas internas. Por exemplo: na OMC foram negociadas regras relativas aos investimentos e, por essas regras, o Estado não pode ter o que fez no passado, como os programas de promoção de exportação. Isso está proibido. Às vezes é feito, mas não significa que seja permitido.
O que ocorre com o Estado que não obedece? Ele vem a ser penalizado, eventualmente uns mais, outros menos, dependendo da sua atitude geral. Isso ocorre na área dos capitais, por exemplo. A liberdade para ingresso e saída de capitais, sem nenhuma orientação para o investimento estrangeiro e com todos os benefícios possíveis e imaginários. Essa normatização é negociada, de modo que, hoje em dia, em toda a estratégia de desenvolvimento é necessário levar muito em conta, em minha opinião, o que o sistema internacional como um todo está pretendendo, o que o centro está pretendendo, para poder traçar a estratégia mais conveniente para superar as dificuldades colocadas ao próprio processo de desenvolvimento econômico, social e tecnológico interno. 
Poderíamos conversar mais sobre esses temas, mas acho que o tempo se encerrou. Espero, contudo, que o tempo não tenha se encerrado também para o Brasil, como mencionou o professor Hélio Jaguaribe. O tempo, aliás, nunca se encerrará porque nunca deixaremos de lutar.


Os desafios de como crescer

Carlos Lessa - professor da UFRJ

CERTAMENTE, O ESTADO é uma instituição absolutamente chave para definir e dar sustentabilidade a uma estratégia de desenvolvimento. E a globalização tem que ser assumida como um processo histórico, porém, ninguém recomendaria uma inserção passiva no processo de globalização. Trata-se, sim, de pensar como, de que forma participar, que limites colocar às suas exigências e determinações, e quais podem ser acionadas por uma espécie de princípio de boomerang, a favor de uma nova estratégia de desenvolvimento?
É claríssimo, também, que a inclusão social não pode ficar circunscrita a uma receita, vamos dizer, "delfiniana": vamos deixar o bolo crescer pra melhor dividir. Creio que temos consenso que, no macroeconômico, é absolutamente fundamental elevar a taxa de investimento. E estou falando de investimento para economistas, repudio a mistificação terminológica que fazem de "aplicações financeiras e investimentos". São aplicações financeiras, são mutações patrimoniais e estou falando de investimento do tipo ampliação e transformação da capacidade de produzir.
É evidente que é necessário ter uma taxa de investimento maior e é evidente que deve haver uma orientação preferencial para acelerar o processo de inclusão social, reduzir as distâncias que estão presentes dentro da sociedade. Eu diria que em torno desses pontos  todos estaríamos de acordo. O desacordo é em como fazer isso. Devemos começar a destacar alguns pontos sobre os quais temos que concentrar a nossa controvérsia. A taxa de crescimento do Brasil é rastejante. Nos últimos 25 anos, foi a 2,3%; o triênio do último governo deu 2,58%, para uma taxa de crescimento demográfico de 1,6% ao ano. Para dobrar a renda per capita necessitaremos de mais de um século. É evidente, então, que estamos estagnados. 

O paradigma não vem de fora

Em contraste, começam a invocar números da China, Índia, da Rússia e, em nosso continente, da Venezuela e Argentina. Aliás, para a nossa vergonha só estamos crescendo um pouco mais do que o Haiti, e estamos mais ou menos empatados, na penúltima posição continental, com El Salvador. 
A análise comparativa é extremamente importante, porém, é perigoso adotar como paradigma. Não quero para o Brasil o destino chinês, de forma nenhuma. A China tem 1,3 bilhões de habitantes, dos quais 750 milhões estão no campo; tem um problema muito sério de produção de alimentos; o lençol freático, no Norte, esta caindo ano a ano porque a população que já foi transferida para a cidade está comprometendo, com o consumo de água na cidade e na indústria, o lençol freático no norte da China. Lá é previsível uma situação crítica em matéria de alimentos. Tampouco tem petróleo suficiente, embora com muita competência estejam desenvolvendo certos campos de petróleo e mantendo uns fechados.Sou inteiramente contrário às rodadas de venda de campos petroleiros brasileiros, e gostaria de lembrar que os chineses estão desenvolvendo campos e fechando porque não os definem como commodities, mas sim como reservas estratégicas. 
A Índia tem 350 milhões de miseráveis com menos de um dólar por dia; tem 40% do que a ONU considera como a miséria do mundo. Então, tomar a Índia como referência, beira quase a loucura, porque a Índia tem também um terrível problema de alimentos e tem outro de energia. A única saída possível para a Índia é termonuclear; felizmente, eles já têm a bomba e precisam dela porque o Paquistão e a China também têm. Não quero ser Índia nunca! E por favor, não me venham que a Índia tem capital humano, pois isso é uma bobagem. Tem boas universidades, formam bons matemáticos, bons estatísticos, excelentes engenheiros de informática, exportam mão de obra qualificada muito barata sob forma de US$ 20 bilhões de exportações e serviços. Agora, isso é usado como um grande argumento pelos neoliberais que gostam da teoria do capital humano. Outro dia estava o presidente do Banco Mundial recomendando que o Brasil faça uma política educacional igual à da Índia. É de rir! 
Dou toda a minha solidariedade e reconheço o esforço que a Índia e a China fazem, mas não são paradigmas para nós. A Rússia, tampouco. Pior ainda é quando começam a citar Irlanda, Chile, Finlândia para tentar buscar um paradigma para o Brasil. Todo o Chile é menor que o Rio de Janeiro, que o PIB do RJ. Agora, os chilenos fizeram uma coisa inteligente em não privatizar o cobre. Então, o governo chileno tem uma receita direta em divisas, o que é uma grande vantagem. A nossa seria a Vale do Rio Doce e foi a primeira que o FHC fez questão de privatizar. 
Os neoliberais dizem que a Coréia se desenvolveu por causa de capital humano. É uma mentira total. Fez uma reforma agrária, contou com uma injeção brutal dos norte-americanos. O Estado coreano foi o mais interventor possível, formou os grandes grupos coreanos dentro do útero. Se há paradigma não liberal é a Coréia, agora não é copiada pelo Brasil neoliberal. Coréia é a Coréia. 

Previdência ou Seguridade?

Eu proponho um exercício de introspecção tupiniquim. Devemos destacar alguns temas onde temos que concentrar nossa atenção. Um deles é a Previdência Social. E por que a cito? Porque esse é o alvo no momento dos neoliberais. Eles estão tentando construir uma demonologia, pelo qual a dívida brasileira de R$ 1 trilhão é igual ao que eles chamam de "déficit da previdência acumulada de 1993 para cá". Estão procurando defender a idéia de que é fundamental desvincular o salário mínimo da base da Previdência; 63% dos benefícios da previdência são do salário mínimo. Tem um senhor aí, Paes de Barros, que diz a seguinte loucura: "que a orientação social brasileira é pró-velho". O "pró-velho" é porque no fundo ele gostaria que o sistema de proteção dos velhos fosse eliminado. Ele se apresenta como "pró-criança".
A Previdência tem que ser discutida e temos que remontar à discussão que foi colocada pelos constituintes de 1988, o conceito de orçamento de seguridade social. Nós economistas fizemos ouvidos fechados a esse conceito, realmente inovador, porque estabelecia a idéia seguinte e fundamental: há um pacto pelo qual a sociedade decide que nenhum velho morre sem ser assistido. Há um pacto pelo qual a sociedade decide que nenhum portador de deficiência grave, de família pobre, morrerá sem assistência. Há um pacto pelo qual a sociedade decide que todo e qualquer brasileiro, ao encerrar a sua vida laboral, tem direito a uma aposentadoria digna; e há um pacto pelo qual a sociedade diz que fará todo o esforço para minimizar a dor. Então, era Previdência, saúde e assistência social comporiam um orçamento, com uma mudança radical em relação à visão montada pelos neoliberais.
Se existe esse pacto, significa que a decisão de gastar antecede à receita. No orçamento fiscal, a decisão de gastar está condicionada ou tem que estar referenciada a uma primeira decisão com respeito à receita. No orçamento de seguridade não. "Mataremos ou não os velhinhos?"; "deixaremos ou não os portadores de deficiência na desgraça?" Nós pactuamos dar prioridade à proteção social, na Constituinte de 1988, e o primeiro crime contra ela foi feito por FHC. Depois o Palocci, mas antes o Malan, se apropriaram da base que foi criada pela Constituinte, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido e a Cofins, para considera-las receita da União, que vai para a caixa preta do superávit fiscal.
Está sendo preparado um crime social. E qual é a posição dos economistas? Não basta dizer que é contra, tem que propor com clareza qual é o modo pelo qual pensaremos a Previdência - como seguridade ou só como previdência? As contribuições sociais devem ser ou não base do orçamento de seguridade? Essas são questões fundamentais.


Lutar por uma visão de longo prazo
Professor João Paulo de Almeida Magalhães, presidente do Corecon-RJ



MINHA FUNÇÃO aqui é justificar o Centro de Estudos para o Desenvolvimento, o CED. Por que ele é necessário para o Brasil? Recentemente, um banco de investimentos estabeleceu uma lista de países que supostamente, nos próximos 40 anos, substituirão os países componentes do Grupo dos 7. E diz que esses países serão as potências econômicas do futuro dentro de 40 anos. É o Brics: Brasil, Rússia, Índia e China.
Hoje se discute se o Brasil tem direito de estar no Brics. Se tomarmos alguns dados vemos que a China, no período de 1990 a 2004, cresceu na média anual de 9,3%. A Índia cresceu, em média, 5,7%. A Rússia, em um período mais curto, nos últimos cinco anos, cresceu 6,8%. E o Brasil, de 1990 a 2004 cresceu apenas 2%. Se considerarmos não apenas as economias emergentes, mas todos os países, no último biênio o mundo cresceu 9,9% e o Brasil, apenas 5,7%. A previsão para 2005 era de um crescimento mundial de 4,3% e do Brasil, 3%. E não chegamos a 3%.
Esses dados são preocupantes, mas lembraria que a maior preocupação é o fato de que o Brasil deveria crescer de 3,5% a 4% ao ano para empregar cerca de 1,5 milhão de jovens que chegam ao mercado. Estamos nos últimos 25 anos crescendo de 2%, 2,5%. Um documento do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI) procura responder se o Brasil está se desindustrializando. E a resposta é que está.
Há uma desindustrialização relativa que, por enquanto, ainda é recuperável. O Brasil ainda tem capacidade industrial, mas isso pode não durar muito tempo. O fato mais preocupante é que os formadores de opinião estão hoje submetidos àquilo que eu chamaria de uma barreira psicológica. Essa barreira psicológica é importante porque impede a esses formadores de opinião reconhecerem a realidade brasileira e, portanto, de criar as condições para que ela seja modificada. 
Os comentaristas econômicos e políticos dizem que Lula ainda tem uma coisa muito favorável à sua reeleição: eticamente a situação é complicada, mas economicamente o país vai bem. Isso é impressionante. E por que a economia brasileira vai bem? É a idéia do curtoprazismo que está dominando nosso pensamento econômico, é a falta de visão de longo prazo, a falta de uma visão estratégica.
Na verdade, acredita-se que o Brasil vai bem simplesmente porque estamos em uma situação em que a inflação é baixa, em que a dívida pública é alta, mas está sob controle, e que o Brasil está exportando, está tendo superávits comerciais elevados. Mesmo em uma perspectiva de curto prazo já seria discutível porque, na verdade, a inflação está sob controle porque estamos aplicando altíssimas taxas de juros, o que está parando com o desenvolvimento. Se a dívida pública está sob controle é porque temos um superávit primário imenso, que cortou toda a capacidade de investimento do governo, que está sendo obrigado a recorrer à parceria público-privada. E mesmo as exportações que são o carro-chefe do governo, sabemos que devido à sobrevalorização do real elas estão se concentrando em commodities e as exportações mais refinadas de manufaturados estão encontrando dificuldades, há desemprego nesses setores. Portanto, temos aí uma situação extremamente grave. 
O critério básico para julgar se a economia vai bem é a taxa de implemento do PIB. No caso brasileiro e levando em conta a experiência recente de países de economias emergentes, ela deveria ser de 7% ao ano. O Brasil cresceu 2,6%. O que está preocupando hoje esses formadores de opinião são os desequilíbrios cambial, monetário e fiscal. Ora, esses desequilíbrios em um país em desenvolvimento só devem ser considerados em função do que possam ajudar ou prejudicar o desenvolvimento.Um trabalho recente do BNDES sobre a Índia, mostra que ela começou a crescer com grande rapidez a partir dos anos 90, e uma das causas desse crescimento foram déficits fiscais altamente elevados. 

Bloqueio psicológico

Tem uma outra manifestação desse bloqueio psicológico que é a do risco Brasil. Quando o risco Brasil cai, aplausos ao governo, considera-se que o país está indo bem e, no entanto, esse índice, que analisa o risco para o banqueiro internacional, para as finanças internacionais, freqüentemente está em choque com os reais interesses do país. Acredito que será necessário criar um outro indicador chamado "perigo Brasil", que será o contrário do risco Brasil: quando baixa o risco Brasil, o "perigo Brasil" sobe, porque foi uma medida neoliberal, que o governo tomou contra os interesses do país. Em função desse bloqueio psicológico é que a opinião pública não está coincidindo com essa visão dos formadores de opinião.
Uma pesquisa publicada há pouco pela CNI-Ibope indagou até que ponto o eleitor considera que deve haver mudança na economia: 54% disseram que deve haver mudança profunda; 24% alguma mudança; e apenas 16% aceitam que se deva continuar com essa política econômica que está sendo levada pelo governo. Aí entra a importância de um Centro de Estudos como o nosso. 
A criação do CED se dá em um momento extremamente importante, da eleição presidencial. Devemos exigir dos candidatos que se manifestem sobre o que fazer, para que o Brasil escape dessa situação lamentável. Portanto, é uma estratégia o que realmente está faltando para o Brasil. E a luta por essa estratégia é o que se propõe o CED.