A REFORMA TRIBUTÁRIA AFETA AS POLÍTICAS SOCIAIS

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O Fórum Brasil do Orçamento (FBO) é uma articulação de entidades da sociedade civil brasileira, com 57 entidades filiadas, voltada à defesa e garantia da aplicação dos recursos públicos nas políticas sociais, por meio da análise, do monitoramento e da criação de mecanismos de democratização do Orçamento Público Federal. O FBO vem manifestar suas preocupações em relação à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 233/2008 que "altera o Sistema Tributário Nacional e dá outras providências" (reforma tributária).

A proposta de Reforma Tributária (PEC 233/2008) está sendo discutida pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados. A proposta chegou ao parlamento após uma ativa agenda de reuniões com os setores representativos do empresariado nacional, além de encontros com os governadores e prefeitos. As entidades representativas da sociedade civil, as organizações populares, os movimentos sociais e os sindicatos de trabalhadores não foram incluídos na construção do texto em tramitação na Câmara dos Deputados.

A PEC da reforma tributária limita seus objetivos à simplificação, à eliminação de tributos e ao fim da "guerra fiscal" entre os estados. Por outro lado, ela negligencia a promoção da justiça social, a ampliação de recursos para as áreas sociais, a desoneração dos/das contribuintes de menor renda e, sobretudo, a construção de um sistema tributário progressivo. A principal marca do sistema tributário brasileiro é a regressividade, pois a maior parte das receitas do orçamento público advém de tributos pagos pelos/pelas trabalhadores/as assalariados/as e pelas classes de menor poder aquisitivo, que são responsáveis por 2/3 das receitas arrecadadas (tributação sobre o consumo mais tributos sobre a renda do trabalho). Portanto, o ônus da carga tributária vem sendo suportado pelos mais pobres. Famílias com renda de até dois salários mínimos destinam 48,8% da sua renda ao pagamento de tributos, enquanto àquelas com renda superior a 30 salários mínimos gastam 26,3% da renda em tributos.

O sistema tributário em nosso país tem sido um instrumento em favor da concentração de riqueza e renda na medida em que agrava a carga tributária dos mais pobres e alivia a das classes mais ricas. Além da irrisória e, praticamente, inexistente a tributação do patrimônio no país. O Imposto de Renda (IR) tem sido utilizado como instrumento de renúncias fiscais e favorecido a elisão (brechas legais para redução da carga tributária), e trata de forma mais gravosa os rendimentos do trabalho e favorece isenções aos rendimentos do capital, como a distribuição do lucro. Portanto, é necessária profunda revisão do IR e a instituição de tributos sobre o patrimônio, com o objetivo de se promover a justiça fiscal e transformar a estrutura tributária em instrumento de desconcentração de riqueza e renda.

A Reforma Tributária tem um potencial transformador na redistribuição da riqueza e bem-estar e, portanto, nas possibilidades de reversão das desigualdades sociais, fundadas em relações assimétricas de gênero e raça. A arrecadação de recursos públicos deve criar condições para desonerar as mulheres da dupla jornada de trabalho e ampliar as suas possibilidades de alcançar a autonomia econômica, sustentando a ação do Estado em termos de provisão de serviços públicos para a educação infantil, cuidado com enfermos, idosos e pessoas com deficiência, para o quê é indispensável manter a vinculação e ampliar as receitas do Orçamento da Seguridade Social e da Educação.

O fato é que a PEC da reforma tributária não aponta para a construção de um sistema tributário progressivo, pautado pela progressividade da tributação da renda e do patrimônio. A proposta de reforma tributária não é algo que diz respeito somente ao empresariado. A proposta apresentada altera com profundidade o financiamento das políticas sociais no Brasil, fragilizando os direitos sociais conquistados a partir da Constituição de 1988. A reforma tributária traz modificações na estrutura de financiamento das políticas sociais, particularmente, quanto aos recursos vinculados ao custeio da seguridade social (assistência social, previdência e saúde), educação e trabalho. Os tributos que serão extintos são exatamente os que financiam estas áreas e deverão alcançar o montante de R$ 153,8 bilhões este ano, conforme a previsão de receitas do Orçamento de 2008. Hoje estas receitas são vinculadas exclusivamente para fundos sociais e, com a reforma proposta os recursos serão repassados via orçamento fiscal. Com isso as políticas sociais de assistência social, previdência e saúde, de educação e do trabalho terão que disputar recursos no orçamento fiscal, por exemplo, com as transferências para governos estaduais e municipais. Visto que a base tributária será a mesma, as áreas sociais sofrerão pressão crescente em decorrência da disputa de recursos com governadores e prefeitos. Além de empresários sequiosos de isenções e subsídios, bancos e rentistas ávidos por juros altos.

Na proposta são modificados os três tributos mais relevantes que financiam a seguridade social no Brasil. A COFINS e a CSLL são extintas e há desoneração da contribuição patronal sobre a folha de pagamento por meio de legislação específica, após as mudanças constitucionais.  Para a seguridade social, passam a ser destinados 38,8% do produto da arrecadação dos impostos sobre a renda (IR), produtos industrializados (IPI) e operações com bens e prestações de serviços (IVA-F). Esta modificação é o sepultamento da diversidade das bases de financiamento da seguridade social inscrita no Artigo 195 da Constituição de Federal de 1988, que ampliou o financiamento da previdência, saúde e assistência social para além da folha de salários, incluindo, a receita, o faturamento e o lucro. Além disso, a desoneração da folha de pagamentos via redução da contribuição patronal para a previdência social, conforme projeto de lei a ser enviado 90 dias após aprovação da PEC, implica perda de R$ 24 bilhões para a Previdência Social.

No lugar do salário-educação, a PEC prevê que lei complementar defina o percentual a ser destinado para o financiamento da educação básica, juntamente com a destinação de 2,3% da arrecadação do IR, do IPI e do IVA-F. Na reforma tributária a extinção da contribuição social para o Programa de Integração Social (PIS) elimina fonte importante de financiamento do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), cujos recursos são direcionados ao custeio do Programa do Seguro-Desemprego, do Abono Salarial e, pelo menos 40%, ao financiamento de Programas de Desenvolvimento Econômico, a cargo do BNDES. No seu lugar contempla-se a alocação de 6,7% da receita de arrecadação do IR, do IPI e do IVA-F.

A reforma tributária propõe adequações no art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, de modo a garantir a continuidade da Desvinculação de Recursos da União (DRU) até 31/12/2011. A DRU desvincula 20% da arrecadação de impostos e contribuições sociais. Hoje, esse instrumento legal transforma parte dos recursos, que deveriam ser destinados ao financiamento da seguridade social, para a composição do superávit primário e, por conseqüência, a sua utilização para pagamento de juros da dívida pública. Somente, em 2007, a DRU desviou R$ 38,6 bilhões do Orçamento da Seguridade Social, conforme dados da Secretaria do Tesouro Nacional. A DRU também tem efeito perverso na aplicação dos recursos da educação. Estes recursos deveriam ser destinados às ações de assistência social, previdência, e saúde, e educação, e poderiam ampliar os direitos e políticas sociais, mas acabam compondo o superávit primário. A reforma tributária perde a oportunidade de extinguir a DRU, pois não há mais razão da sua existência, após consecutivas superações de metas de superávit primário.

Diante do exposto, as entidades que integram o Fórum Brasil de Orçamento (FBO) estão apoiando emendas à reforma tributária, que:

 

1. instituam a progressividade para qualquer tributo com o objetivo de redistribuição de riqueza e renda;
2. rejeitem o tratamento preferencial dado ao capital vis-à-vis ao trabalho;
3. rejeitem o tratamento preferencial dado ao capital externo vis-à-vis ao capital nacional;
4. rejeitem o tratamento preferencial dado ao capital financeiro vis-à-vis ao capital produtivo; 
5. mantenham a integridade do Orçamento da Seguridade Social com suas fontes próprias e base diversificada de financiamento;
6. estabeleçam o fim da DRU sobre as fontes tributárias que financiam a seguridade social (assistência social, previdência, e saúde);
7. excluam a DRU para o cálculo dos recursos mínimos a serem aplicados na Educação;
8. preservem a arrecadação do Salário-Educação; 
9. possibilitem o aumento gradativo dos recursos para educação;
10. permitam o controle social do Fundo de Equalização de Receitas e do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional por meio de conselhos com participação da sociedade civil;
11. implantem e destinem a contribuição sobre grandes fortunas para as políticas sociais.

Brasília, 17 de junho de 2008

Fórum Brasil de Orçamento