AINDA O PRÉ-SAL

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Paulo Passarinho

 

O presidente Lula acaba de retirar o seu pedido de urgência para a tramitação dos projetos do pré-sal. Por força de uma negociação conduzida por Michel Temer, presidente da Câmara, os deputados terão um pouco mais de tempo para uma discussão considerada por todos, formalmente, como de extrema importância para o país.

 

Formalmente, pois, na prática, e de acordo com o que foi combinado entre o governo e a oposição, a votação das propostas começará no dia dez de novembro e o prazo de apresentação de emendas – que iria ter fim no dia em que escrevo essas linhas (isso mesmo: hoje, dia dez de setembro!) – ficou estendido até o próximo dia 18.

 

Há quem afirme que será melhor assim. Há grandes desconfianças com a capacidade de "convencimento" de grandes corporações empresariais, com livre trânsito dentro do Congresso e com grande poder de financiamento de campanhas eleitorais. Argumentos sempre valorizados pela esmagadora maioria dos nobres parlamentares. São temores mais do que fundados, especialmente para quem se recorda dos tempos das mudanças constitucionais promovidas pelo governo FHC, incluindo a emenda que permitiu a possibilidade de reeleição do próprio presidente da República.

 

Com tão pouco tempo para discussão, e também para as mobilizações populares que poderiam influenciar o debate – conforme vontade expressa até mesmo por Lula –, a grande esperança dos setores que defendem o controle e o planejamento do uso dessas reservas de petróleo para a melhoria das condições de desenvolvimento do Brasil, acaba sendo depositada na própria proposta elaborada pelo governo.

 

O governo, o próprio Lula, e até mesmo a oposição de direita fazem o seu papel.

 

O presidente foi o primeiro a dar o tom nacionalista às propostas anunciadas como um prenúncio de um novo tempo; a oposição de direita, institutos e especialistas empresariais, e setores da grande imprensa "batem bumbo" e denunciam a volta dos desvios estatizantes que estariam contidos na proposta submetida ao Congresso.

 

Entretanto, estará mesmo em curso mudanças substantivas em relação ao arcabouço jurídico e institucional deixado pelo governo anterior?

 

A polêmica em torno da mudança proposta do atual regime de concessão para o de partilha, e a forma com que setores contrários à idéia reagem, induz à crença que os interesses nacionais estariam sendo defendidos com ardor patriótico pelo governo.

 

Convém um mínimo de cautela. Na proposta do governo, ao contrário do que chegara inicialmente a ser difundido, a União não terá um percentual mínimo, definido previamente, de participação nos diversos blocos do pré-sal, que serão levados a leilão. Caberá aos participantes desses leilões oferecerem propostas de participação da União, na partilha do petróleo a ser extraído. Será vencedora a proposta que melhor contemplar a União.

 

A atual Lei 9478/97, que regula toda a atividade de exploração do petróleo, continuará a ter vigência e plena aplicação para toda a área fora do pré-sal, com todas as suas ambigüidades, conforme lembrado em artigo anterior, publicado neste espaço. Em relação a esse artigo, fui lembrado – quando destaquei que essas ambigüidades estão presentes também em nossa Constituição, ao citar o seu artigo 176 – que é o artigo 177 da Constituição Federal que melhor define o que se constitui em monopólio da União. Porém, é justamente nesse artigo, em seu parágrafo primeiro, que se estabelece que "a União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I e II deste artigo (pesquisa e lavra das jazidas de petróleo e gás natural e a refinação do petróleo), observadas as condições estabelecidas em lei". O segundo parágrafo desse artigo 177 define que "a lei que se refere o §1º disporá sobre as condições de contratação". E qual é essa lei? Justamente a de nº 9478/97, maneiramente mantida intocável na proposta do governo.

 

Sei perfeitamente que lembrar a história como objeto de aprendizado é um risco. Tenho hoje muitas dúvidas em relação à máxima que destaca que os homens aprendem com a sua própria história. Mas, sempre é bom lembrar que não houve nenhum episódio relevante durante esses sete anos de governo Lula, em que a "herança maldita", e legal, de FHC tenha sido contestada.

 

Um bom exemplo é o que ocorreu em relação ao setor elétrico, onde mudanças foram introduzidas, mas se procurando conciliar a ordem anterior com tímidas alterações, frente às necessidades de modificações profundas, que acabaram por ser sepultadas com o diligente trabalho, dentre outros, de Dilma Roussef.

 

Tudo indica que estaremos percorrendo agora, na área do petróleo, processo semelhante. A introdução do novo deve se dar em conciliação com as reformas introduzidas por FHC. Os leilões serão mantidos, a lei do petróleo também, e o produto da exploração – agora na área do pré-sal, "sem risco" - melhor compartilhado entre empresas e União.

 

Nessas mudanças, destaca-se o fortalecimento da Petrobrás, sem dúvida importante, mas muito aquém do que de fato precisaríamos, e dentro de um contexto onde as grandes petrolíferas internacionais terão o seu lugar. Não sem razão, e apesar do "bumbo", João Carlos de Luca, presidente do IBP – Instituto Brasileiro do Petróleo, um dos porta-vozes dos interesses privados, lembra que "a indústria trabalha tanto em concessão quanto em partilha e, com um contrato adequado, que permita a atração de investimentos, vai participar. É aí que queremos contribuir".

 

Por fim, ainda temos as promessas de um novo tempo, que a renda do petróleo pode nos dar. Especialmente, se bem utilizarmos os recursos a serem canalizados para o Fundo Social, medida correta proposta pelo governo, e que deverá injetar recursos em áreas sociais e investimentos em ciência, tecnologia e sustentabilidade ambiental. Contudo, cabe lembrar que, nesse aspecto, na busca de um novo padrão de desenvolvimento para o país, o maior entrave ou obstáculo não é a falta de recursos. É simplesmente a manutenção de um modelo econômico que nos amarra aos interesses de bancos e transnacionais.