Mauro Osório
RIO DE JANEIRO: MITOS E REALIDADE
O Rio de Janeiro, a partir da mudança da Capital para Brasília, sofreu um longo processo de perda de participação na economia brasileira. Na mesma direção, a máquina pública no ERJ sofreu uma particular desestruturação, tendo em vista que as cassações, a partir do golpe de 64, atingiram mais o Rio de Janeiro do que qualquer outra região do país. As cassações permitiram a ascensão de Chagas Freitas, pela legenda do MDB, mas com apoio dos militares, criando, desde então, um ciclo vicioso, do qual só começamos a sair a partir de período recente. Isso fez com que, entre inúmeros exemplos, o Rio de Janeiro hoje ainda apresente a mais alta incidência de casos de tuberculose, por cem mil habitantes, entre todas as unidades federativas.
Do ponto de vista econômico, entre 1970 e 2008, o ERJ apresentou uma perda de participação no PIB nacional de 32,1%, a maior entre todas as unidades federativas (tabela anexa).
Na mesma direção, a cidade do Rio de Janeiro apresentou, no mesmo período, uma perda de participação no PIB brasileiro de 60,2%, a maior entre as capitais (tabela anexa).
A partir de 1995, alguns investimentos começaram a chegar ao estado do Rio de Janeiro, como a indústria automobilística que se instala no Vale do Paraíba, e ocorreu um forte crescimento na extração de petróleo na Bacia de Campos. Isso não criou, no entanto, números brilhantes para o ERJ. No que se refere à participação no PIB, apesar do forte efeito gerado pela extração de petróleo, a partir de 1995 apenas deixamos de perder participação na economia nacional.
No que diz respeito à evolução do emprego, no período entre 1995 e 2010, continuamos na lanterna, entre todas as unidades federativas. Nesse período, o crescimento do emprego formal no ERJ foi de 51,8%, contra um crescimento no total do país de 85,5%. Mesmo no setor serviços, o crescimento do emprego formal no ERJ foi o terceiro menor entre as 27 unidades federativas (tabela anexa).
O Rio de Janeiro, em período recente, principalmente a partir dos últimos dois anos, melhora significativamente, com os mega investimentos e mega eventos e a retomada de obras públicas realizadas em parceria do Governo do Estado com o Governo Federal e as Prefeituras. Além da reestruturação da máquina pública estadual já iniciada pelo Governo do Estado.
No entanto, do ponto de vista econômico e do emprego, apenas encostamos na trajetória nacional, ainda fazendo-se presentes enormes desafios. De acordo com os dados do CAGED/MTE, nos últimos 12 meses, o crescimento do emprego formal no estado do Rio de Janeiro, para o total das atividades econômicas, foi de 6,48%, contra um crescimento no total do país de 6,27%. (tabela anexa).
Mesmo na construção civil, que cresce fortemente em todo país, não se verifica nenhum privilégio para o ERJ. Nos últimos 12 meses, o crescimento do emprego formal na construção civil, no ERJ, foi de 10,40%, contra um crescimento no Brasil de 9,13%. (tabela anexa).
Do ponto de vista tributário, o ERJ também não apresenta nenhum privilégio. Comparando a carga tributária das unidades federativas, vê-se que o ERJ encontra-se apenas na 22ª posição, entre todas as unidades federativas, ficando atrás, por exemplo, de Minas Gerais (aqui foi usada a média do período 2006/2008, o que na verdade, atua contra o Rio, pois é um período com o preço médio do petróleo mais alto do que no período posterior) (gráfico anexo).
Essa carga tributária, baixa no cenário federativo, tem a ver com o fato de o ERJ pouco se beneficiar do Fundo de Participação dos Estados.
Além disso, é importante lembrar que o ERJ não recebe ICMS sobre a extração do petróleo, o que, na Constituição, teve uma excepcionalidade, sendo cobrado apenas no destino.
Ora, a extração de petróleo na Bacia de Campos, por um lado, infla o PIB fluminense, fazendo com que caia a nossa participação no FPE. Por outro, não recebemos nenhum imposto por essa extração. Se, além disso, os royalties passarem a ser distribuídos também tendo o FPE como critério, será injusto e totalmente irracional.
Além disso, como já afirmado antes, as perdas geradas a partir da transferência da Capital para Brasília ainda deixam importantes desafios.
A Região Metropolitana do Rio de Janeiro, apesar da dinamização do emprego, ocorrida em período recente, e de ter apresentado, entre 2003 e 2010 (série mais longa com a mesma metodologia, da Pesquisa Mensal do Emprego do IBGE), um crescimento do rendimento do trabalho superior às principais metrópoles brasileiras – pela chegada, principalmente, de estrangeiros, atraídos pelas possibilidades do setor petróleo –, ainda apresenta uma significativa taxa de desemprego para jovens.
Além disso, dados do IBGE e pesquisa de campo recente realizada em favelas cariocas, pelo IETS (Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade), mostram que a Região Metropolitana do Rio de Janeiro e mesmo a cidade do Rio, no quadro das principais metrópoles brasileiras, apresentam um número particularmente alto de jovens entre 18 e 24 anos de idade que não trabalham nem procuram emprego nem estudam, passando o dia à toa, de bermuda e sem camisa, com enorme descrença, sem perspectiva de vida, correndo o risco de serem atraídos pelo tráfico ou outras atividades ilícitas.
Na mesma direção, temos uma periferia da RMRJ que em boa medida ainda é dormitório, sendo que, em 2010, em torno de 75% do emprego formal do total da metrópole estava localizado apenas na cidade do Rio de Janeiro. Isso agrava, por exemplo, o problema de transporte de massas na RMRJ – minorado, do ponto de vista do custo para trabalhadores e empregadores, com o Bilhete Único recentemente implantado pelo Governo do Estado – e faz com que, de acordo com dados da última PNAD, o tempo de transporte diário gasto pelos cidadãos da metrópole carioca seja superior ao da metrópole paulista.
Do ponto de vista do saneamento, a periferia da Região Metropolitana do Rio de Janeiro apresenta apenas em torno de 5% das moradias atendidas com esgoto tratado. Além disso, a RMRJ e outras regiões do estado ainda apresentam problemas do ponto de vista de disponibilidade de água e telecomunicações.
O quadro acima traçado, sem nenhum exagero, mostra as possibilidades, os desafios e a responsabilidade do estado do Rio de Janeiro, no cenário de investimentos que chegam ao estado e dos mega eventos.
Para o Rio de Janeiro consolidar a reversão da trajetória das últimas décadas e gerar emprego e renda, será necessária a realização de um conjunto de investimentos.
Do ponto de vista econômico, não basta atrair grandes investimentos, como a Rio Polímeros, a CSA e o COMPERJ. É necessária a organização de uma política de complexos produtivos, atraindo micro, pequenas e médias empresas, além, por exemplo, de centros de pesquisa.
A grande empresa pode negociar individualmente, no momento do investimento, com o poder público ou ela mesma realizar os investimentos em infraestrutura que ela necessite. Micro e pequenas empresas, no entanto, precisam encontrar uma infraestrutura pronta, o que ainda não é o caso, em significativa medida, na RMRJ e em outras regiões do estado.
Ou seja, o Rio de Janeiro, ao contrário do que alguns pensam, não está nadando em dinheiro e, além disso, possui importantes passivos.
Deve-se ressaltar, portanto, que, por um lado não é racional a visão e propostas de alguns com relação à distribuição dos royalties. Isso, primeiramente, porque em todo mundo as regiões produtoras recebem royalties como compensação pelos problemas criados e por ser um recurso finito e, também, porque o Rio de Janeiro não possui uma carga tributária alta no cenário federativo e nem nenhum tipo de privilégio com o formato até hoje existente da distribuição de receita pública obtida no país.
Por último, deve-se lembrar que, muitas vezes são apontados "privilégios" de municípios fluminenses. É importante, dessa forma, demonstrar, com dados objetivos, que, ao contrário de um mito existente, pouquíssimos municípios fluminenses destacam-se em termos de royalties existentes e de receita pública para seus habitantes. Quando analisamos a situação dos 25 municípios da Região Sudeste mais beneficiados, em termo de receita pública municipal por habitante, encontramos, em 2009, apenas quatro do ERJ, contra sete de Minas Gerais e doze do Estado de São Paulo (tabela anexa).
Mesmo para esses municípios, que são exceções no estado, não é razoável, do ponto de vista social, realizar-se uma queda abrupta de receita, mas sim sendo preciso pensar em uma política de longo prazo de melhor distribuição interna, no estado do Rio de Janeiro, dos recursos públicos.
Mauro Osório