Ressuscitado contemporaneamente pela incompetência das políticas de inspiração liberal em estimular o desenvolvimento no Brasil, o desenvolvimentismo desperta polêmicas, como na série de artigos de José Luís Fiori publicados na editoria de Opinião do Valor.
Neles, Fiori busca criticar essa concepção referindo-se tanto ao seu caráter de estratégia de desenvolvimento quanto às reflexões intelectuais da esquerda que lhe deram suporte, originadas no Partido Comunista Brasileiro (PCB), no Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb), na Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) e, após 1970, na escola de Economia da Unicamp.
Nesses textos, Fiori sugere reiteradamente o caráter conservador e, atualmente, ultrapassado do desenvolvimentismo. Assim, propõe que este só se concretizou no Brasil como uma estratégia fundada numa ideologia de direita, a da segurança nacional. A sua vertente de esquerda seria menos relevante e teria perdido importância desde os anos 1960, pela sua incapacidade de explicar o desenvolvimento capitalista no Brasil e pela sua cisão política durante o Plano Trienal.
Avaliar os resultados na história permite ver as opções de desenvolvimento que se põem em cada momento
No plano das ideias, a despeito da sua simpatia pelas teorias da dependência, Fiori admite a centralidade da escola da Unicamp, que partiu da escola cepalina para reinterpretar o capitalismo brasileiro e fundamentar o desenvolvimentismo após 1970. Já nos anos recentes isto não mais ocorreria, dentre outras razões, porque essa escola teria se dedicado às análises setoriais ou macroeconômicas restritas, orientando-se para formar quadros burocráticos para o governo, sacrificando assim sua capacidade interpretativa. Em um de seus artigos, chega afirmar que a Unicamp se converteu ao "varejo keynesiano e suas deblaterações macroeconômicas".
Para contestar Fiori é preciso ter em conta as conjunturas históricas particulares nas quais essas estratégias e teorias ganharam momento. Os anos que vão de 1930 a 1980 expressam uma condição particular do capitalismo que permite, por várias razões, um grau elevado de autonomia do desenvolvimento nacional. No caso brasileiro, isso abriu a possibilidade para a hegemonia das correntes desenvolvimentistas, à direita e à esquerda. A correlação de forças sociais e políticas conformaram, em momentos distintos, os diversos padrões do desenvolvimento do período, nos quais seus diversos matizes tiveram influência variada.
Já os 30 anos que se iniciam nos anos 1980, e que correspondem à ascensão do neoliberalismo, teriam sido difíceis para o desenvolvimentismo e as teorias econômicas que lhes dão suporte, independentemente das suas correntes. Do mesmo modo, o seu ressurgimento atual deve-se menos às ações de economistas e intelectuais e mais à incapacidade do neoliberalismo e de sua política econômica em promover o desenvolvimento.
Hoje, à esquerda ou à direita, as várias correntes desenvolvimentistas que Fiori é incapaz de identificar ou distinguir comungam, como no passado, do antiliberalismo econômico. Mas há diferenças relevantes entre elas.De um lado está o novo desenvolvimentismo, cujo centro de irradiação é a FGV-SP, que privilegia as dimensões macroeconômicas das políticas e subordina a elas as políticas de desenvolvimento e dando maior peso ao papel do mercado. Esta corrente prioriza o desenvolvimento das forças produtivas e o mercado externo, entendendo que a distribuição da renda decorrerá, mas não automaticamente, da primeira, sendo necessário a implementação de políticas que garantam a transferência de ganhos de produtividade aos salários.
Em outro plano, coloca-se o social-desenvolvimentismo, com origem na Unicamp e na UFRJ. Como a qualificação sugere, nessa estratégia o social é o eixo do desenvolvimento e isto se daria pela centralidade do mercado interno via a ampliação do consumo - de bens públicos e privados - das massas. Nessa vertente se propõe a subordinação das políticas macroeconômicas às de desenvolvimento e o maior peso do Estado. O desenvolvimento das forças produtivas seria, nesse caso, um meio para atingir o objetivo almejado. Em nenhum momento Fiori é capaz de enxergar essas diferenças e põe todo mundo no mesmo saco.
A afirmativa de Fiori de o que desenvolvimentismo de esquerda teria se convertido ao "keynesianismo de varejo" revela desconhecimento dessa corrente. Tome-se, por exemplo, o documento de fundação da Rede Desenvolvimentista, "Desenvolvimento brasileiro: temas estratégicos". Nele, estão propostos para discussão temas considerados essenciais para o desenvolvimento brasileiro. No plano internacional são destacados: a reformulação da ordem econômica internacional após a crise financeira, abarcando o futuro do sistema monetário internacional e do padrão-dólar, a organização e a evolução do mercado de matérias-primas, a influência da China na configuração de nova divisão internacional do trabalho e, ainda, a consolidação dos blocos regionais com ênfase na América do Sul.
No âmbito da economia brasileira são postos em relevo temas como: o setor produtor de commodities no desenvolvimento nacional, as possibilidades da industrialização brasileira face à nova divisão internacional do trabalho, e a necessidade de recuperação da infraestrutura nacional e o desenvolvimento regional. Considera-se também o financiamento externo da economia brasileira, o financiamento interno em longo prazo, e os perfis de intervenção do Estado na economia pela ótica da carga tributária, transferências e gastos. Por fim, mas não por último, a estrutura de emprego e mercado de trabalho e as políticas sociais ativas para obter crescimento com distribuição da renda. Tudo isso em um contexto da formulação das estratégias de desenvolvimento, contrapondo Estado e mercado.
Comparar os resultados históricos do período desenvolvimentista com as utopias, como faz Fiori, é um exercício útil, mas parcial. Outra tarefa igualmente relevante é avaliar os resultados obtidos, à luz das possibilidades concretas ou alternativas de desenvolvimento colocadas pela história do país. Isto certamente permite enxergar melhor as opções que se colocam em cada conjuntura.
Ricardo Carneiro é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp e coordenador da Rede Desenvolvimentista.