CRESCIMENTO CLÁSSICO E CRESCIMENTO RETARDATÁRIO

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Uma necessária (e urgente) estratégia de longo prazo para políticas de desenvolvimento*

João Paulo de Almeida Magalhães

Sumário

Presentemente a política econômica em países subdesenvolvidos é dominada pela perspectiva de curto prazo imposta pela visão neoclássica. Estratégias de desenvolvimento tipicamente de longo prazo são liminarmente condenadas, devendo a ação do Governo se limitar à manutenção dos equilíbrios fiscal, cambial e monetário, além de garantir o respeito às regras do jogo econômico. O primeiro passo para corrigir essa situação consiste em distinguir entre o crescimento clássico, historicamente registrado nos atuais países desenvolvidos, e o crescimento retardatário, em curso nas economias emergentes. A "mainstream economics" não distingue entre os dois, propondo a aplicação no crescimento retardatário de políticas econômicas bem sucedidas no crescimento clássico. Corolário fundamental da tese de igualdade entre as duas modalidades de crescimento é que o sucesso das políticas de desenvolvimento, ou de eliminação do atraso econômico, dependeria do livre funcionamento do mecanismo de preços e da prévia obtenção de taxa elevada de poupanças sobre o PIB.

A bem sucedida experiência dos países do Leste da Ásia vai desmentir essa tese. Relatório do Banco Mundial, que examina as causas dos bons resultados obtidos nessa região, mostra a importância da ação do Governo e que não é o aumento das poupanças que acelera o crescimento mas sim a aceleração do crescimento que aumenta as poupanças. Os trabalhos que exploraram as conseqüências dessa última constatação mostram que, na existência de oportunidades de investimento, o crescimento ocorre com elevação "a posteriori" das poupanças. Ora, oportunidades de investimento sinalizam a existência de demanda. Ou seja, a conclusão básica da experiência dos países asiáticos é que, no crescimento retardatário, quem comanda o processo é a existência de demanda e não a disponibilidade de poupanças. Diferença de fundamental importância em termos de políticas de desenvolvimento. Um dos corolários mais relevantes dessa diferença é a substancial perda de importância do capital estrangeiro nos processos de desenvolvimento. Na inexistência de demanda de dimensões e dinamismo adequados, seu ingresso no país nada mais faz do que substituir ("crowd out") a poupança local, sem qualquer contribuição para o desenvolvimento. 

O papel fundamental da demanda nas políticas de desenvolvimento começa a ser reconhecido na literatura especializada. A demanda considerada é, contudo, a demanda monetária, ou efetiva na denominação keynesiana. A demanda monetária é dada pela soma das despesas públicas e privadas e a real pelo valor dos bens que podem ser oferecidos a preço igual, ou inferior, aos vigentes no mercado. A tese básica do presente trabalho é de ser a demanda real a relevante. 

O trabalho passa então a definir uma estratégia que, contrariamente à baseada nas teorias do crescimento da "mainstream economics", tem como fulcro a demanda real ou mercado. Essa estratégia, segundo o trabalho, se desenvolve necessariamente em duas fases. A primeira é de crescimento para dentro, ou de substituição de importações. Esta se esgota antes de o país chegar ao pleno desenvolvimento devendo, assim, dar lugar a estratégia de crescimento para fora, na qual a exportação de bens e serviços de elevado conteúdo tecnológico desempenha papel de vital importância. A exposição começa por oferecer as linhas gerais das estratégias de crescimento para dentro e para fora passando depois à análise da experiência brasileira. 

No caso desta, o trabalho analisa o otimismo curtoprazista que domina o país resultante, não de um crescimento acelerado do PIB mas simplesmente do fato de não termos sido envolvidos na grave crise que vitima os países desenvolvidos. Curtoprazismo que ignora as sombrias perspectivas de longo prazo da economia brasileira decorrentes da crescente desindustrialização do país, da aceitação da taxa de 5% como limite superior ao crescimento do PIB (enquanto países asiáticos economicamente menos favorecidos, elevam seu PIB entre 7% e 9% ao ano) da grande sobrevalorização cambial (que desencoraja exportações e estimula importações) dos altíssimos juros (que oneram o tesouro público e dificultam investimentos além de atraírem o capital especulativo estrangeiro). E, ainda mais grave, é uma política econômica centrada no cumprimento de metas de inflação com total abandono de metas de desenvolvimento. Erros que estão condenando o Brasil, país com condições excepcionalmente favoráveis ao desenvolvimento, a se especializar em "commodities" agrícolas e industriais que proporcionam apenas o semi-desenvolvimento. Situação essa amplamente constatada e documentada pelo IPEA.

Passa-se, em seguida, no trabalho, a mostrar que a adoção de nova estratégia de desenvolvimento depende da prévia montagem de modelo teórico que a justifique tecnicamente e especifique suas linhas gerais. A metodologia científica comprova, de fato, que uma teoria não é derrubada pelos seus erros mas por outra teoria em que estes não ocorrem. A teoria neoclássica implementada na América Latina com base no Consenso de Washington, apesar do seu estrondoso fracasso continua sendo considerada plenamente válida. Tudo que se fez foi remendar o Consenso de Washington passando a chamá-lo Consenso de Washington Ampliado. Ponto importante é que uma teoria que justifique nova estratégia de desenvolvimento deve nascer, não de contribuições isoladas, mas de Programa Científico de Pesquisas. Levado adiante no que se chama de um núcleo de pensamento crítico. 

*O presente texto resume o argumento básico de trabalho do mesmo título do Centro de Estudos para o Desenvolvimento, publicado em 2012 pela editora Contraponto.