NOTA DO AUTOR: O texto abaixo foi preparado como apêndice ao meu livro "Crescimento Clássico e Crescimento Retardatário", publicado em 2012 pela Editora CONTRAPONTO e retirado do mesmo (bem como aspectos de maior profundidade teórica) para tornar o texto acessível a não especialistas. Trata-se de modelo em que o crescimento depende exclusivamente do mercado e seu entendimento pressupõe o conhecimento do trabalho acima referido, que justifica tecnicamente as opções feitas. O modelo algébrico depende de revisão final pelo que pode conter algumas imperfeições.
APÊNDICE: LINHAS BÁSICAS DE UM MODELO PARA O CRESCIMENTO RETARDATÁRIO
João Paulo de Almeida Magalhães
1 – Os modelos de crescimento clássico da "mainstream economics" ignoram o problema do mercado porque, sendo satisfatórias as variáveis determinantes da oferta, o mercado se eleva endogenamente na proporção necessária (lei de Say). No crescimento retardatário, garantido o mercado, as poupanças se elevam endogenamente. Ou seja, se os modelos do crescimento clássico ignoram o aspecto do mercado, os modelos do crescimento retardatário podem, por igual motivo, deixar de lado o aspecto da oferta. É o que faz no modelo abaixo proposto. Esse modelo leva em conta todos aspectos específicos do crescimento retardatário, identificados nos quatro módulos anteriores. Tais como: o papel da redistribuição de renda na criação de mercado, a necessidade da criação em cada setor de mercado para, não apenas uma mas para diversas unidades produtivas, o tamanho mínimo das unidades produtivas a inevitabilidade de, esgotadas as oportunidades de substituição de importações, se passar ao crescimento para fora e assim por diante. Mas passemos a ele:
O mercado disponível para o crescimento retardatário é o proporcionado pelo crescimento vegetativo do PIB, pelas medidas redistributivas de renda, pelo estoque de importações substituíveis e pelas exportações de setores em que o país se tornou internacionalmente competitivo. Nos modelos interpretativos desse crescimento, a elevação do PIB não pode, portanto, ser descartada dado ser ela geradora mercado. Mas deve ser considerada apenas como geradora de demanda real e não de capacidade produtiva. O primeiro passo na montagem do modelo consiste, assim, em determinar qual das teorias explicativas do crescimento do PIB deve ser utilizada para explicar o aumento do mercado dele decorrente.
No modelo abaixo proposto a teoria tomada como base para explicar o aumento do mercado decorrente do crescimento do PIB é a de Harrod, opção que deve ser justificada. Enquanto o modelo de Harrod leva em conta apenas o aumento do capital como determinante do crescimento, os modelos posteriores incorporaram sucessivamente o fator trabalho e a tecnologia. Acontece que no crescimento retardatário a tecnologia é, em princípio, irrelevante porque já foi criada no crescimento clássico, achando-se amplamente disponível para novos usuários.
No que se refere ao trabalho, este pode ser incorporado ao modelo como capital humano. Tal como se faz nos modelos de crescimento endógeno. Em suma, o modelo de Harrod que não considera fatores de oferta como a tecnologia e a força de trabalho, é realmente o mais indicado para se levar em conta o incremento do PIB como gerador de mercado. O efeito das medidas redistributivas (não levadas em conta no modelo Harrod) como geradoras de mercado é considerado, para maior simplicidade como ampliação do mercado gerada pelo crescimento vegetativo do PIB.
O crescimento vegetativo do PIB enquanto criador de mercado seria assim determinado da seguinte forma dQ/dt = e(a+d) onde Q é o produto, a é a taxa de poupança e a produtividade do capital e d o efeito de mercado das medidas redistributivas. Supõe-se o investimento igual à poupança.
A segunda modalidade de mercado a ser considerada no modelo é proporcionada pelo estoque de importações substituíveis. Quando país subdesenvolvido adota tarifa protecionista ele gera, para as empresas do país, mercado de dimensões iguais ao estoque das importações substituíveis. Esse mercado é gradativamente atendido na medida em que são feitos investimentos para substituir importações por produção nacional.
As exportações, por sua vez, constituem a forma de incorporar o mercado externo ao crescimento retardatário. Esse mercado se torna disponível através de medidas destinadas a tornar competitivos bens produzidos no país. Assinale-se, finalmente, que o mercado representado pelas exportações e pelo estoque de importações substituíveis é medido, como no caso do PIB, em termos do valor adicionado incorporado nessas variáveis.
O modelo completo para o crescimento seria, então, o seguinte: dQ/dt = e(a +d)Q t-1 + mM t + dE/dt
Sendo Q o PIB, E as exportações e m a percentagem das importações substituídas, M o estoque de importações substituíveis e e(a+d)Qt-1 o mercado gerado pelo incremento do PIB, tal como definido por Harrod, ampliado pelo efeito de mercado (d) das medidas redistributivas. Na fase de substituição de importações, o crescimento retardatário depende de nível satisfatório de M (o impacto de d é essencialmente complementar) e, na fase de crescimento para fora, de nível adequado de E.
2 - O grande obstáculo ao crescimento retardatário é o tamanho mínimo das unidades produtivas, imposto pela tecnologia moderna. Esse é o problema que passamos a examinar. Na formulação abaixo as seguintes simplificações são admitidas: todos os setores têm iguais dimensões, o estoque de importações substituíveis se divide igualmente entre eles e as unidades produtivas têm todas igual tamanho mínimo tecnologicamente necessário. A condição de suficiência de mercado é então definida da seguinte forma:
{e(a +d)Q t – 1 + M} . 1/r ≥ iT ( 1 – x)
Sendo r o número de setores i o número mínimo de unidades produtivas viabilizadas para que os empreendedores aceitem investir, T o tamanho mínimo das unidades produtivas e x a percentagem da produção exportada.
Ou seja, o mercado proporcionado pelo crescimento vegetativo do PIB e o efeito da redistribuição de renda, (e(a+d)Qt-1) mais o estoque de importações substituíveis (M), divididos pelo número de setores (r) deve ser superior ao tamanho mínimo das unidades produtivas (T) multiplicado pelo número (i) de unidades produtivas a serem viabilizada pelo mercado interno e reduzido pela percentagem da produção exportada (x).
Na fase de substituição de importações, em que supostamente as exportações estão estacionárias, a restrição de mercado é a seguinte:
{e(a+d)Q t-1 +M} . 1/r ≥ iT
O que significa o seguinte: o mercado criado pelo crescimento do PIB e redistribuição de renda (e(a+d)Qt-1)) mais o estoque de importações substituíveis (M) deve gerar para cada setor mercado superior ao tamanho mínimo da unidade produtiva (T) multiplicado pelo número mínimo de unidades produtivas a serem viabilizadas (i). Enquanto essa situação persistir, o crescimento para dentro ocorrerá sem problema dispensando, inclusive, o recurso ao aumento do mercado interno, ou às exportações. A ação do Governo deve ser a criação de mercado interno através de medidas protecionistas complementadas por política redistributiva.
Decorrido certo tempo, esgota-se o estoque de importações substituíveis (M =0) E como, segundo hipótese admitida, o mercado gerado pelo crescimento do PIB não proporciona aos diversos setores demanda das dimensões requeridas por iT, o recurso às exportações, ou ao crescimento para fora, se torna imprescindível. A condição para o passa então a ser o seguinte:
e(a+d)Q t-1 . 1/r ≥ iT (1 –x)
Ou seja, o mercado interno proporcionado pelo aumento do PIB e medidas redistributivas deve ser complementado pelas exportações. A percentagem exportada do produto (x) deve ser suficiente par viabilizar a criação de i unidades produtivas de tamanho mínimo T. Isto é, as exportações reduzem a parcela da produção que deve ser escoada no mercado interno, viabilizando a continuidade do crescimento. Em suma, os modelos acima descrevem o tamanho necessário do mercado nas fases de mercado interno e externo crescimento retardatário.
3 - Algumas considerações suplementares. Mostramos anteriormente que os analistas brasileiros, que diagnosticaram as causas do colapso do modelo de substituição de importações, apontaram unanimemente a insuficiência de mercado como a causa básica do problema. Uma das correntes defendeu, contudo, a tese.de ser possível um desenvolvimento baseado exclusivamente no mercado interno. Ou seja, segundo ela, teríamos a seguinte situação: ao se esgotar o estoque de importações substituíveis:
e(a+d)Q t-1 . 1/r ≥ iT
Ou seja, no momento em que se esgotarem as oportunidades de substituição de importações o produto (Q) ampliado por política redistributiva seria suficientemente elevado para que seu simples crescimento vegetativo garantisse mercado superior a iT Vimos anteriormente que Furtado 1973) acreditava ser possível um aumento de n suficiente para se alcançar esse resultado. Situação dificilmente exeqüível conforme mostramos anteriormente. 1 Outro ponto é o seguinte: as formulações acima referem-se apenas aos modelos de substituição de importações e seu sucessor modelo de crescimento para fora. Quanto à fase preparatória do crescimento retardatário, baseada no mercado de "commodities" agrícolas e minerais gerado pela Revolução Industrial, ela é passível da seguinte formulação:
e(a+d)Q t-1 . 1 / r ≥ iT (1 – x)
Em que o x seria igual a 1 e, portanto, iT igual a zero inexistindo, assim, o problema do tamanho mínimo tecnicamente necessário. Isso porque toda produção poderia ser colocada no mercado internacional, dado ser este, de tamanho ilimitado do ponto de vista de um país subdesenvolvido.
Em suma, o modelo simples aqui apresentado ilustra o que poderia ser o primeiro passo de um programa científico de pesquisa que, ao criar modelo teórico alternativo aos neoclássicos, justificaria tecnicamente políticas econômicas ajustadas ao crescimento retardatário.
1 Com, segundo mostramos anteriormente, a possível exceção de China e Índia